Devia ter ...

Devia ter...
Amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010



Estávamos todos sentados a mesa de um bar bebendo, cantando e tocando violão feitos boêmios, era plena segunda feira e estávamos comemorando o aniversário de uma amiga, entretidos com a  boa música, havíamos esquecido completamente do resto do mundo.  Mas de repente minha colega que estava sentada ao meu lado me cutuca e fala:

- Tô com uma pena daquele velhinho!
Eu desatento como sempre perguntei a ela:
- Mas, que velhinho?
- Aquele ali, carregando a sacolona.

Ela falou apontando o dedo indicador para o final da rua.
Prontamente me virei e comecei a observá-lo, aparentava ter uns 68 a 72 anos, porem, sua fisionomia parecia bastante desgastada pela vida, ele usava uma camisa branca encardida, uma calça remendada Jens e trazia consigo uma enorme mala verde, provavelmente com roupas e documentos, acho que era a coisa mais preciosa que trazia consigo, pois não desgrudou dela em nenhum momento, tinha acabado chagar no ônibus das 20:00 horas e vinha subindo a rua exatamente em nossa direção.

Dava pequenos passos, tinha aquele andar tímido de quem não tem aonde ir ou de quem não sabe mais o caminho de casa, minha amiga já havia parado de prestar atenção nele, ela tinha se distraído com a música que o restante do pessoal cantava e eu acabei que me distraindo também  e perdi aquele senhor de vista.
Conversa vai, conversa vem, música vai, música vem e então o pessoal começou a cantar:






“Quem espera que a vida 
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco
Ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado
Pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver...”










De repente em pleno refrão da música, sinto uma presença inesperada ali,  quando viro meu rosto para o lado me deparo com  aquele velho, acho que ele estava passando perto de nossa mesa no momento em que estávamos cantando e permaneceu ali em pé de olhos fechados e praticamente imóvel, me pareceu  que  ele estava  em outro lugar recordando outra vida. A música acabou e nosso ilustre ouvinte já estava recolhendo sua mala que ele havia deixado no chão para poder ir embora, quando Marco Aurélio meu amigo perguntou: 


- E aí pessoal qual musica cantamos agora?                                                                                                     
Então ouvimos uma voz diferente, meio acanhada como que se estivesse com vergonha ou medo de ser repreendido, e bem baixinho aquele senhor começou a cantar:

“Eu vou seguir uma luz lá no alto eu vou ouvir
Uma voz que me chama eu vou subir...”


Então, Marco começou a tocar o violão e pouco a pouco estávamos todos cantando e acompanhando aquele senhor em sua cantoria.


“Eu vou gritar para o mundo me ouvir e acompanhar
Toda minha escalada e ajudar
A mostrar como é o meu grito de amor e de fé
Eu vou pedir que as estrelas não parem de brilhar
E as crianças não deixem de sorrir
E que os homens jamais se esqueçam de agradecer
Por isso eu digo: Obrigado Senhor por mais um dia
Obrigado senhor que eu posso ver
Que seria de mim sem a fé que eu tenho em Você
Por mais que eu sofra, Obrigado Senhor mesmo que eu chore.”


Então ele parou de cantar e começou a chorar, suas lagrimas escorriam pelo seu sujo rosto e em meio a elas uma oração que saía bem baixinho de seus lábios. Todos nós paramos de cantar e passamos a observá-lo e em questão de segundos, um a um e por final estávamos todos também orando. A partir daí  prevaleceu um estranho silêncio onde antes havia tanto barulho, silêncio esse, quebrado por nosso bom velhinho que voltou a cantar.

“Obrigado Senhor por eu saber
Que tudo isso me mostra o caminho que leva a Você
Mais uma vez Obrigado Senhor por outro dia
Obrigado Senhor que o sol nasceu
Obrigado Senhor agradeço Obrigado Senhor
Por isso eu digo: Obrigado Senhor pelas estrelas
Obrigado Senhor pelo sorriso
Obrigado Senhor agradeço Obrigado Senhor
Mais uma vez
Obrigado Senhor por um novo dia
Obrigado Senhor pela esperança
Obrigado Senhor agradeço Obrigado Senhor
Por isso eu digo: Obrigado Senhor pelo sorriso
Obrigado Senhor pelo perdão...”


E aquele momento mágico acabou quando nosso amigo pegou suas coisas e passou a seguir novamente seu caminho, dessa vez com passos mais largos e mais decididos,  não olhou pra traz nem deu nenhum tchau, foi embora como simplesmente nunca tivesse parado ali e sumiu dobrando a esquina da rua. Não sei se vou retornar a vê-lo porem nunca mais vou me esquecer de seu sorriso no final da música, um sorriso de quem já perdeu tudo, menos a esperança de continuar a viver.


Lucas Silva.

Um comentário:

  1. Isto foi incrível, foi um momento mágico... mas, incrivel mesmo foi voce imortalizar este momento. Parabéns!

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